Essa antiga filosofia, com já mencionei, estava impregnada nos clérigos da Igreja Católica Romana de alguns séculos passados. Os líderes da Igreja Católica mantinham o povo longe das Sagradas Escrituras, longe do verdadeiro conhecimento bíblico, pois esses líderes sabiam que, se o povo não tivesse o conhecimento bíblico necessário, ficaria muito mais fácil de manipular, mais fácil de fazer deles marionetes-humanas.
Quem somente podia ter acesso as Sagradas Escrituras, eram àqueles que estavam se preparando para se tornar alguma autoridade da igreja Católica Romana, e também àqueles que tinha a autoridade. Isso acontecia a séculos passados, mas infelizmente tem ocorrido a mesma coisa nesses nossos dias hodiernos. Muitos líderes da igreja evangélica brasileira estão praticando essa filosofia, pois eles sabem se realmente ensinarem a Bíblia para o povo, alguns aprenderão e combaterão os próprios que os ensinaram. Pois o Brasil está recheado de líderes evangélicos que pregam e ensinam a Palavra de Deus, mas suas vidas, seu comportamento, não se coadunam com aquilo que pregam e ensinam. Já tem o caso de outros líderes que não ensinam a Palavra de Deus para o povo, porque eles mesmos nunca a aprenderam de fato.
Quando a Reforma Protestante teve seu início no século 16, os reformadores criam que, se as Escrituras estivessem em uma língua acessível aos povos, todos os que quisessem poderiam ouvir a voz de Deus, e todos os crentes teriam acesso à presença de Deus. Frans Leonard Schalkwijk comentou muito bem esse ponto: "Para eles, [os reformadores] as Escrituras eram mais uma revelação pessoal que dogmática". Calvino, por exemplo, entendia que as Escrituras eram tão superiores a outros escritos que, "se lhes voltarmos os olhos puros e sentidos íntegros, prontamente veremos a majestade de Deus que, subjugando nossa ousadia de contraditá-la, nos compele a obedecer a ele” *.
Partindo desses princípios, a Reforma, aonde quer que chegasse, preocupava-se em colocar a Bíblia na língua do povo – e, neste particular, a tipografia foi fundamental para a Reforma – afim de que todos tivessem acesso à leitura bíblica, tornando o “reavivamento” da pregação da Palavra de Deus um dos marcos fundamentais da Reforma.
Contudo, os Reformadores esbarraram em um grande problema: o analfabetismo generalizado entre as massas. Como eu já disse anteriormente e agora faço um acréscimo: a leitura era um privilégio de poucos; de livros, então, restringia-se a médicos, nobres, ricos comerciantes e integrantes do clero.
É digno de nota que, antes mesmo do o humanista Erasmo de Roterdã (1466 – 1536) editar o Novo Testamento em Grego (1516)* e de Martinho Lutero afixar suas 95 teses às portas da Catedral de Wittenberg (31.10.1517), já se tornava visível o esforço por colocar a Bíblia no idioma nativo de cada povo. John Wycliffe (1320 – 1384), Nicholas de Hereford (? – 1420) e John Purvey (1353 – 1428) traduziram a Bíblia para o inglês no período de 1382 – 1384. Coube a Nicholas a tradução da maior parte do Antigo Testamento. Esta tradução, que incluía os apócrifos, foi feita diretamente da Vulgata, sem consultar os originais hebraicos e gregos.
Outro ponto que deve ser realçado a esse respeito é que, quanto mais se aproximava o século 16, verificou-se um desejo mais intenso de ler as escrituras. Como reflexo disso, “de 1457 a 1517 foram publicadas mais de quatrocentas edições da Bíblia”*.
Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, concluindo o seu trabalho em outubro de 1534. A sua obra é uma obra primorosa, sendo considerada o marco inicial da literatura alemã*.
Nunca e jamais podemos negar ao povo o conhecimento bíblico que nós (líderes evangélicos) adquirimos. Nunca devemos tentar proibir as nossas ovelhas de entrarem em um curso de Teologia para aprenderem mais a Santa Palavra. Nunca devemos nos sentir ameaçados por nossos membros, pelo fato de eles terem adquirido um certo grau de conhecimento bíblico e nós não. Nunca devemos atacar a Teologia dizendo que ela é do Diabo, ou dizendo que todos aqueles que fazem a teologia ficam soberbos e prepotentes, pois quem só fica soberbo e prepotente são aqueles que querem ficar, e nunca conheceram de fato Jesus. Podem conhecer a respeito dEle, mas Ele de fato, não o conhecem.
Nunca e jamais devemos tentar manipular o povo - por mais que este seja manipulável - pois Jesus não nos permite isso. Sempre devemos fazer o maior esforço (principalmente àqueles líderes que são remunerados pela igreja) para obter o máximo conhecimento da Palavra de Deus para podermos passar para o povo. Sempre devemos estimular as ovelhas de Cristo a ler e estudar a Santa Palavra do Senhor. Devemos constantemente promover em nossas congregações cursos de discipulado, ou congressos de E.B para que o povo fique mesmo bastante estruturado e edificado em Cristo pela Palavra.
É a obrigação de lideres da Igreja (se não tiverem feito), ingressarem em um curso de Teologia, para poder se prepararem espiritualmente e intelectualmente para poder instruir com maior proveito à Igreja do Senhor.
Nunca devemos amoldar as mensagens bíblicas ao desejo do povo; devemos sim, pregar o que a própria Bíblia prega; dizer o que de fato ela diz.
Que o Senhor nos livre constantemente de escondermos do povo todos os conselhos de Deus.
Em Cristo Jesus,
Thiago Rabello
Notas:
* João Calvino, As Institutas, 1.7.4.
* Erasmo de Roterdã demostrou sua preocupação em tornar a Palavra de Deus acessível ao povo. No prefacio de sua edição do Novo Testamento Grego (1516) e em outros lugares, escreveu: “Eu discordo veementemente daqueles que não permitem a particulares a leitura das Sagradas Escrituras, nem as permitem ser traduzidas em língua vulgar(...). Quero que todas as mulheres, mesmo meninas, leiam os Evangelhos e as epístolas de Paulo. Provera a Deus que a Bíblia fosse traduzida em todas as línguas, de todos os povos, para que pudesse ser lida e conhecida, não só pelos escoceses e os irlandeses, mas também pelos turcos e pelos sarracenos. Porém, o primeiro passo necessário é fazê-los inteligíveis aos leitores. Eu almejo o dia quando o lavrador recite para si mesmo porções das Escrituras enquanto vai acompanhando o arado(...). E.J. Goodspeed, como nos veio a Bíblia, 3° edição. São Bernardo do Campo, SP: Imprensa Metodista, 1981, pág.116; John Mein, A Bíblia e como chegou até nós, 3° edição. RJ: JUERP, 1977, pág. 64.
* Lucien Febvre, Martin Lutero: um destino, 7° reimpressão, México: Fondo de Cultura Econômica, 1992, pág. 187.
* Obs: Essas informações e suas notas (exceto esta) foram extraídas do excelente livro do Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, João Calvino 500 anos, 1° edição. SP: Cultura Cristã, 2009, páginas 23-25.